25.1.07

Obrigado por tudo, amigo Kapuscinski!

Morreu Ryszard Kapuscinski

O excelente jornalista e cronista que cobriu muitos dos acontecimentos políticos das últimas décadas em África morreu esta terça-feira, aos 74 anos. Foi também escritor.
Mas não é só por isto tudo que Kapuscinski ficará na lembrança da humanidade. A ele se deve a bebida quente e deliciosa a que acabou por dar o seu nome.

Muito pouca gente sabe disto, mas o petiz Kapuscinski estava farto do café simples. E a adição de açucar também não era coisa a que um gourmet exigente como ele se podia habituar por muito tempo. Principalmente depois do fim da II Guerra e da vida na Polónia voltar, dentro do possível, ao seu normal.
Não é a ele que se devem as primeiras experiências que mesclavam o precioso líquido escuro com leite. Foi, precisamente, desse princípio que o polaco partiu, era ainda um jovem. Por algum tempo, a mistura foi apaziguando o sagaz Ryszard. Mas ele queria mais.
Começou por meter as bolachinhas (que em Portugal se denominam "Marias") no café com leite - sim, também podem agradecer isto a Kapuscinski - para, em seguida, de experiência arriscada em experiência arriscada e em ritmo frenético, ter posto de parte as bolachas e chegado às natas.
Quando apresentou o seu café com natas nas recepções em casa, a alta sociedade polaca reagiu com desdém, deixando prostrado o pobre jovem "inventor".
Em desespero, começou a fazer experiências com a vaporização do leite e, apesar de toda a gente lhe vaticinar um triste caminho, sentiu estar na peugada do êxito. «Olhe, meu caro, ainda bem que tem essa coisa do jornalismo...» diziam-lhe, condescendentemente, muitos amigos e conhecidos.
Depois de uma esboço precipitado, no qual juntou 1/2 de café-expresso com 1/2 de leite vaporizado, foi corrido das recepções oficiais e proscrito pela sociedade polaca.
Antes de partir para África, como de um exilado se tratasse, deixou um bilhete de despedida à sua namorada italiana de então e uma caneca com um bilhete a dizer: "Bebe-me".
Francesca molhou os lábios, olhou o infinito extasiada e deixou escapar, num suspiro, a frase que ainda hoje me deixa lágrimas nos olhos (se vocês vissem o que estou a tremer no preciso momento que escrevo isto, com os pelos todos eriçados):
- Ma che bello, Kapuscinski!
1/3 de café-expresso, 1/3 de leite vaporizado e 1/3 de espuma de leite vaporizada - assim era a fórmula do sucesso!
Francesca, despojada do seu amor, voltou para Itália, onde comercializou a receita que usurpou a Ryszard, sob o italiano nome de Capuccino. O mito da nacionalidade italiana da bebida criava-se assim... e o resto é história. A coisa vendeu como regueifas e espalhou-se ao mundo. Francesca enriqueceu alarvemente.
A tudo isto foi Kapuscinski alheio, mais preocupado com os seus louváveis afazeres profissionais, que o engajaram até à sua recente morte.

Por isso, quando estiverem a beber o vosso capuccino/Kapuscinski, façam como eu: apontem a caneca para o céu, pisquem o olho a Ryszard e imitem Bogart no "Casablanca" (se não estou enganado): "Here's looking at you, kid!".