22.10.06

A vida dura de Ma-Lé Lé-Bé So-Lá

Na versão "oficial", Kim Jong Il escreveu mais de 1000 livros. O facto, sendo extremamente positivo para a população em geral (ou, pelo menos, para a franja que o Estado tolera que aprenda a ler), tem sido péssimo para Ma-Lé Lé-Bé So-Lá, o Marcelo Rebelo de Sousa coreano, que, sendo uma imitação de segunda categoria do nosso, apenas conseguiu ler, na semana passada, 980 deles.
O Professor da Faculdade de Direito de Pyongyang, entrevistado semanalmente no canal de televisão estatal, comenta a vida política, social, económica e cultural da Coreia do Norte. Não há barreiras nem tabus para o pensamento de Ma-Lé Lé-Bé So-Lá, que, em irrestrita liberdade, louva as inéditas conquistas científicas e sociais do Governo com a mesma facilidade com que critica a forma cobarde de a oposição se furtar às suas responsabilidades, exilando-se ou morrendo.
Aquele que é considerado o maior líder de opinião, logo após o Líder propriamente dito, assina ainda uma espécie de diário no semanário "Livre e Brilhante como o Sol", um periódico independente que se dedica a esclarecer o povo quanto aos malefícios das democracias ocidentais, onde as pessoas escolhem candidatos que não conhecem, exaltando os benefícios de um Estado moderno que encarrega do poder alguém conhecido, cuja vida e obra se ensina desde a escola primária.
No seu texto da semana passada, Ma-Lé Lé-Bé So-Lá salientou, com orgulho, a ausência de preconceito dos norte-coreanos, que não se envergonham de pedir comida na rua (o conhecido sistema de solidariedade social directa), embora façam por ser discretos, já que a polícia, quando repara, os encaminha para salas subterrâneas onde os esperam fartas ceias, durante meses a fio, e eles não gostam de incomodar. Alguns cidadãos não aguentam o fardo do imenso privilégio que é viver na Coreia do Norte e chegam mesmo a abraçar vedações de arame farpado eléctrico, na ânsia de comunicar a sua sorte aos outros povos.
Encerrando a sua coluna semanal, Ma-Lé Lé-Bé So-Lá deixou ainda uma piscadela de olho a Portugal (vejam lá...), revelando o enorme gosto de Kim Jong Il por Amália Rodrigues, que, para o Líder, canta a tristeza como não é possível ouvir num país que só conhece a alegria e cujas fotografias inspiraram o gosto do democrata por óculos de sol.