13.4.06

TV é animação: a reviravolta pascal



A febre das telenovelas, em que todos os dias há novidades e reviravoltas, parece alastrar a outros programas. Os responsáveis das várias estações de televisão preparam surpresas para os gulosos consumidores, nesta época pascal. Após mais de trinta anos de recriações sucessivas da via sacra, sem grandes sobressaltos de argumento de uma versão para outra, todos querem inovar.

Na nova versão dos últimos dias de cristo da TVI, o enviado do Altíssimo perde a paciência um pouco antes de chegar ao Calvário, parte a cruz com o joelho e vinga-se em todos os romanos que, empalando uns quantos em trombetas. Maria Madalena assiste a tudo com um sorriso malandro, fumando encostada a uma carroça e partindo, ocasional e displicentemente, um copo de cerveja na cabeça de alguns pelejadores, ao jeito dos clássicos com Bud Spencer. Críticos apontaram várias incoerências a este relato e salientaram que o casting não foi feliz ao escolher o irascível "Mr. T" para interpretar Jesus, mas a sua opinião foi prontamente silenciada por ser afrontosamente racista.

Na SIC, a adaptação conduz a um resultado mais pacífico. Quando Judas vende Jesus por trinta moedas de prata (os romanos preferiam pagar em notas, mas Judas queria trocos para tabaco - todos os vilões fumam, agora), alguém "bufa o esquema ao nazareno" (como se escreve no guião). Aproveitando a preciosa informação, este foge por uma viela, entra na primeira porta que encontra e, surpreendentemente, aparece numa cena da novela "Alma Gémea", com a ganaciosa Cristina tentando conseguir deitar a mão às jóias de Luna. Nesse momento, Cristo senta-se e o episódio prossegue normalmente. A nota religiosa não desaparece de todo, porém, já que, na última cena, Terê deixa cair um livro no pé e grita "ai Jesus", reparecendo este por um breve instante para lembrar a importância de viver a época pascal em plena espiritualidade.

Na RTP, que já não é o monstro gordo, bafiento e repetitivo que um dia conhecemos, o "Evangelho de Moita Flores" traz-nos Filomena Gonçalves como Pôncio Pilatos. Alguma pressão de prazos levou o argumentista a fazer um apressado copy-paste dos diálogos de "A Ferreirinha", o que torna a cena um pouco confusa, pois o procurador romano fala de uns vinhedos que tem junto ao Douro. Mais para a frente, a história parece retomar o caminho de sempre, pelo menos até ao momento em que Jesus é encarcerado com o escritor Camilo Castelo Branco na cadeia da Relação do Porto, altura em que é notório que alguém andou a misturar papéis no escritório do autarca de Santarém ou então que o argumentista se baseou em relatos de José Hermano Saraiva. Apesar de ter melhorado, o canal público deve ainda fazer um esforço para aprimorar as suas produções, evitando, por exemplo, que o "rio Jordão" surja atravessado por cacilheiros e que os "vendilhões do templo" fujam, não da fúria de Jesus, mas de uma rusga no Martim Moniz.