12.1.06

CSI

Naquele que parece ter sido o decesso cujos contornos mais tardaram a ser deslindados, Lee Berger, um paleoantropologista, afirma que a criança Taung foi morta por uma águia, há dois milhões de anos. A criança Taung não foi bafejada pela sorte. Desde logo, coube-lhe a ingrata tarefa de representar a ligação entre o Homem e o macaco, olhando-a o primeiro com irritante condescendência e o segundo com desdenhosa inveja da rápida ascensão social. Analisando de perto a imagem, constato que se trata de uma criança pequena, mirrada e com olhos enormes, tristes, encovados. Os dentes revelam poucas rotinas de higiene pessoal, o que era confirmado pela mãe-Taung, em ocasionais confissões à vizinha: "aquela catraia só come porcarias". A criança Taung não iria longe, de qualquer forma, até mesmo para os padrões da época, bastando atentar na imagem para perceber que não tinha maxilar inferior, nem braços, bem pernas, nem tronco. Não se compreende o mistério por trás da morte: afinal, analisando a figura, percebe-se que o habitat da criança era a mão de Lee Berger, o paleoantropologista, a poucos centímetros da ave alegadamente assassina. Esta, quando interrogada, afirmou nada saber sobre os factos e, enquanto regurgitava o que parecia ser um braço, sustentou que, há dois milhões de anos, pelas oito da noite, se encontrava no Bom Jesus, em Braga, agradecendo uma cura de caspa, o que foi confirmado pelas testemunhas Carlo e Guido, dois rouxinóis sorridentes que surgiram agarrados a quatro rolas de vestido curto. Procurei obter mais informações junto do paleoantropologista, que nada soube acrescentar, embora tenha chorado muito, lamentando nunca ter conhecido a intimidade de uma mulher.


O Incontinental pede desculpa a todos os que, olhando precipitadamente para a imagem, julgaram ver a águia do Benfica e foram a correr buscar um bombo, um apito e um foguete. Podem guardá-los até ao próximo jantar de família.