26.12.05

Desilusões

Ontem liguei a televisão e vi o senhor Presidente do Tribunal Constitucional mergulhando a mão numa jarra escura e tirando de lá uns papéis. Sorteio... Peguei no meu talão do euromilhões, amaldiçoando o erro de casting que teria levado à substituição da Marisa Cruz, e preparei-me para receber o refrescante duche da fortuna. Qual não é o meu espanto quando me apercebo tratar-se do sorteio da posição dos candidatos a PR no boletim de voto.
Bah...
Licenciatura, anos de trabalho, ascensão lenta na carreira, ingresso no Tribunal Constitucional, acórdãos para relatar, urdidura de votos de vencido, investidura na posição de Presidente do mais alto tribunal do país, para acabar a tirar papéis de um jarrão, sujeito talvez a entalar os dedos em directo na televisão e assim causar uma excepcional interrupção na "1.ª Companhia".
A vantagem é evidente: humanizar os titulares de altos cargos do poder tornando públicos actos corriqueiros dos mesmos. Aconselho que se estenda a medida como tónico revigorante contra a crise da vida política e o afastamento entre políticos e cidadãos.
Nada me faria mais feliz do que mostrar um sorriso sincero, repleto de migalhas de pastéis de nata, a um afável deputado que me servisse numa pastelaria, descompor um secretário de estado por aplicar graxa castanha nos meus sapatos pretos ou insistir com um ministro para não se esquecer de tapar a fossa após desentupi-la.
Se este blog cedesse à tentação do humor fácil, pediria desculpa àqueles profissionais por, ainda que escudado pela ficção, ter ousado compará-los aos políticos. Como não cedo a pressões grosseiras, limito-me a imaginar que todos levam, no final, com uma tarte na cara.